Querido leitor, você está lendo esse texto no modo dezembro de viver. E eu… bem, também cá estou escrevendo no modo dezembro de escrever. Quando você ver o ícone a seguir ;) você dá uma piscadela e quando você ver o ícone ¬¬ você revira os olhos, combinado? Estabelecido esse acordo, vou começar te contando duas informações importantes > o dia em que Frank Gehry acabou com a criatividade e que > tudo agora é nichar [sic]. E o que isso tem a ver com desejo, necessidade e vontade? Vem descobrir :)
o dia em que Frank Gehry acabou com a criatividade
Era 1998 e dizem que uma comoção geral se espalhou entre os pesquisadores e funcionários quando a equipe de demolição chegou. Será que as pessoas que lamentavam já percebiam o que iria acontecer? Certamente Frank Gehry não sabia. E foi assim, sem saber o que iria acontecer, que ele projetou o novo campos do MIT1 que viria a substituir o Prédio 20 ou Vassar Road nº 18, demolido naquele dia de março de 19982. O Prédio 20 era uma edificação improvisada, erguida em 1943, sobre a qual se dizia que, arquitetonicamente, ela não funcionava. Bom, funcionava.
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tudo agora é “nichar” [sic]
Na última terça-feira, saí para tomar café com uma arquiteta. A colega me diz que agora você tem que ser especialista em um cômodo/função de uma casa. Tem arquiteto que só projeta quarto de bebê. Tudo agora é nichar [sic].
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caos criativo?
O Prédio 20 era conhecido como a “incubadora mágica”, de onde saiam muitos projetos inovadores e, não curiosamente, sua arquitetura era em muitos aspectos, inadequada. Espaços escuros, úmidos e quase labirínticos, sem qualquer adequação a função de cada laboratório. Por quê funcionava? A resposta é simples: porque as pessoas tinham liberdade de mudar e de se conectar com o inesperado. Os pesquisadores derrubavam paredes, modificavam o espaço e sobretudo, viviam se perdendo ali dentro. Não havia uma sequência padrão (ou óbvia) de numeração das salas e nerds de áreas diferentes tinham a chance de tomar um café juntos ou papear no corredor. E o resultado disso é que as ideias surgiam3.
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Claro, a criatividade surge das conexões entre coisas diferentes. Todo mundo sabe disso. Existem mil livros te falando sobre como ser mais criativo. Grande parte deles enfatiza que o cérebro solitário é muito menos favorável à criatividade. E especialmente após a pandemia…
todos nós sabemos que as conexões físicas ainda importam.
E acredito que grande parte de nós já sacou que não precisamos de acréscimos, mas de recombinações. Então porquê a gente insiste em focar em uma coisa só quando é a diversidade que nos torna criativos? E porque insistimos em uma arquitetura que estabelece configurações rígidas de como devemos nos comportar socialmente?
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a gente não quer só arquitetura
Há uma coisa bem incoerente quando você começa a se especializar dentro da arquitetura: você precisa cada vez mais ser criativo porque você faz as mesmas “coisas”, mas você se torna cada vez menos criativo porque você faz as mesmas “coisas”.
Diferente das outras artes, arquitetura é, sobretudo, construção. A criatividade não costuma fazer parte do dia a dia dos profissionais que oscilam suas horas entre obras, projetos solitários e visitas em lojas de materiais que vendem as mesmas coisas. Então, querido leitor, se você é um dos arquitetos que só projeta quartos de crianças, tá tudo bem, sente o abraço. E veja abaixo como explorar sua criatividade.
A primeira coisa a lembrar é que a gente não quer só arquitetura.
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A gente quer arquitetura, diversão e arte, claro. As pessoas querem uma experiência estética. Querem se emocionar e se sentir donas de si. Portanto, ao projetar, pense espaços que sejam fáceis de adaptar e se inspire em algo “não arquitetônico”. Músicas, filmes, qualquer coisa de referência diferente da arquitetura vai te dar ideias mais legais do que referências arquitetônicas.
Para finalizar, vou te falar, rapidamente, do Peter Zumthor4. E também sobre desejo, necessidade e vontade.
desejo, necessidade e vontade!
Peter Zumthor é um arquiteto suíço nascido na década de 1940 e conhecido por abordar a ideia de atmosferas na arquitetura. Em grande parte, seu trabalho se dá na exploração de como os materiais possibilitam criar sensações. E ele realmente explora isso!
Vejam abaixo duas imagens de um projeto, a Capela de Campo Bruder Klaus, construída em 2007, em Mechernich, Alemanha. Com exterior em concreto e uma forma rígida, a entrada ocorre por uma porta em formato triangular apontando para o céu. No interior da edificação, o arquiteto construiu paredes que usam como matéria prima troncos de árvores carbonizados. E madeira queimada, vocês sabem, tem cheiro. A capela tem textura, remete à espiritualidade, à introspecção. E não posso deixar de mencionar que apesar do uso criativo de materiais, Peter Zumthor trabalha, sobretudo, com a experiência sensorial do espaço. A configuração do espaço é central em sua obra. E o espaço, vejam, não é apenas visual.
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Peter mostra que a arquitetura é visual e simbólica, mas também tátil e olfativa.


A Capela de Campo Bruder Klaus nos permite ver como Peter projeta sua arquitetura de maneira minimalista, mas profundamente conectada ao local e aos materiais presentes na região e que, de alguma maneira, também corporificam a história da edificação. Ele gosta de mostrar que a arquitetura envolve todos os sentidos humanos para criar uma conexão emocional e física com o espaço. Vencedor do Prémio Pritzker, em 2009, Peter é conhecido por projetar edifícios que transcendem a função prática e se conectam diretamente ao desejo de sentir.
Desejo é aquilo que nos move além do que nos é imposto. Desejar é ir além da função óbvia, é criar não apenas para atender, mas para surpreender. Como Peter Zumthor nos lembra, a arquitetura começa nos sentidos. O desejo é a vontade de tornar o espaço habitável não apenas para o corpo, mas para o imaginário.
Necessidade, por outro lado, é aquilo que nos mantém conectados ao mundo real. Por mais romântico que possa ser te falar do caos criativo do Prédio 20, não posso afirmar que as condições físicas não possam influenciar (negativamente) os resultados. A necessidade pede praticidade, eficiência e uma base sólida sobre a qual o desejo possa se manifestar. Mas será que a necessidade deve ser rígida? Ou pode ser interpretada, subvertida, reinventada?
Vontade é a ponte entre o desejo e a necessidade. É o ato consciente de transformar as expectativas em realidade, ajustando as coisas de acordo com o contexto. É a insistência de fazer algo mais, mesmo quando o "suficiente" parece bastar. Vontade… pode ser a capacidade de construir quartos de bebê sem deixar de sonhar com cidades inteiras.
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Querido leitor, chegamos ao fim desse texto e desse ano e aqui vai um lembrete final: o modo dezembro de viver não precisa ser sobre fechar ciclos rígidos ou aceitar o que já está pronto. Ao contrário, pode ser sobre construir novas portas e derrubar algumas paredes. Porque, lembrem, a gente não quer só arquitetura. A gente tem fome e sede de sentir. Por aqui, a hora do almoço se aproxima. Você, querido leitor, tem fome de quê?
Até a próxima!5
Ps: Se você gosta dos textos dessa newsletter, comece a seguir AINDA HOJE o Instagram da @aurora.escolalivre, porque em breve um mundo de coisas legais vai nascer e vocês podem ficar sabendo por ali :)
Instituto de Tecnologia de Massachusetts, uma super famosa Universidade localizada nos Estados Unidos.
Bhaskar, Michael. Curadoria, o poder da seleção no mundo do excesso. São Paulo: Edições Sesc, 2020. O que aconteceu foi que ao demolir o Prédio 20 para que fosse construído um edifício que funcionasse melhor, deixou de existir um ambiente muito particular que ali existia.
O Stata Center é o prédio projetado por Frank Gehry para substituir o Prédio 20. Ele foi erguido em 2004 e dispõem os laboratórios e departamentos dentro de um conceito moderno de espaço, organizados de maneira aberta e fluida, mas por setores facilmente identificáveis. Funciona? Sim, mas não é mais a incubadora mágica. ¬¬
Para todos que me responderam dizendo que querem o clube do livro, vai rolaaar! Podem ir me escrevendo com sugestões ;)
Nos veremos dia 20 com uma cartinha para meu amigo oculto aqui do substack ;) Terceiro ano dessa iniciativa super bacana que tem sido feita pela
. E meu primeiro ano como participante. Tô animada!